segunda-feira, 24 de junho de 2019

E "de repente" Deus fala com a gente... E os pensamentos renovam, e os sentimentos mudam, e as vontades se transformam...
E "de repente" tudo aquilo que parecia tão importante perde seu valor e dá espaço a novas prioridades, novos sonhos e novas visões...
E "de repente" nem precisa sair do quarto pra ver um mundo cheio de novas opções... basta ouvir em silêncio o que Ele diz...
E "de repente" o coração se renova de fé e o primeiro amor renasce, acalmando a alma...
E "de repente" a gente percebe que ainda bem que existe o milagre do "de repente" de Deus!
(Raissa Azulay - 18.02.17)
#derepente
Na minha casa tem uma gaiola e a porta dela está sempre aberta. Passarinhos vêm e vão.
Vai quem quer.
Retorna quem quer.
Permanece quem quer.
O alimento é diário e o risco de ficar preso e nunca mais sair também... Mas eles não sabem disso.
Acho que deve existir algum prazer no alpiste... que atrai os pobrezinhos pro que poderia ser uma arapuca...
Assim somos nós... Passarinhos em busca de alpiste, aventurando por aí, arriscando sua verdadeira liberdade por alguns grãos.
Mas existe uma diferença, entre nós o o passarinho: eles não sabem, mas a gente tem noção de que a gaiola prende, que aqueles grãozinhos que parecem vitais nem são tão importantes assim.
No fundo a gente sabe o que realmente importa.
Pq a gente já aprendeu.
Pq Deus já disse onde está a verdadeira liberdade.
Ele já ensinou que o mundo oferece muitos prazeres... Mas que o pecado aprisiona.
Vai quem quer.
Retorna quem quer.
Permanece quem quer.
Um dia desses eu conheci o André. Um cara normal, trinta e poucos anos, família tradicional, alguns irmãos, muitos primos, classe média. André cresceu num bairro tranquilo da cidade dele, estudou em escola particular e desde sempre frequentou a Igreja. André é cristão. Ele me contou que até já teve suas escapulidas, mas que nunca chegou a se afastar totalmente da fé. Ele disse que, inclusive, já aconteceram tantas situações difíceis na vida dele que ele só conseguiu mesmo superar se apegando a Deus. E muita gente chama ele de guerreiro, homem de fé, essas coisas que as pessoas falam pra animar quem passa por tribulações.  Pois é. André pode ser considerado um cara normal. Nada muito diferente da maioria de nós. Bem simpático. Mas tinha algo a mais nele que me chamou atenção e isso me fez passar alguns dias refletindo sobre ele.
Hoje eu sei que André é um cara alegre, mas quando eu o encontrei pela primeira vez ele estava bem cabisbaixo, sentado numa mesa na praça de alimentação do shopping lotado e eu tive que pedir licença pra sentar na mesma mesa e almoçar. Eu também estava sozinha. André levantou a cabeça, passou as mãos na testa vermelha e me deu um sorriso bem "amarelo", meio forçado... Ele nitidamente não estava bem. Mas foi educado, deu de ombros e me deixou sentar.
Como sempre, eu dei um jeitinho de puxar uma conversa amena, eu senti que devia falar... Quem sabe poderia animar o dia daquele desconhecido... ou pelo menos, sei lá, ser simpática e retribuir o favor da mesa? E foi ali que o papo começou.
André me contou que estava fazendo hora pra voltar ao trabalho, mas que a cara de tristeza era por uns "lances" que tinham acontecido na sua igreja. E, pelas palavras dele, ele tava "tristão". Como eu tbm disse ser cristã há muito tempo e que já tinham acontecido várias coisas que me deixaram triste na igreja, acho que ele foi se soltando e me contou. Apesar de já ter sido líder, de estar na mesma congregação há anos e conhecer todo mundo, ele, de uns tempos pra cá vinha se sentindo meio excluído e isso tava incomodando muito ele. Eu, obviamente, tentando ajudar, entrei naquele papo de que ele não devia olhar pras pessoas, mas sim pra Deus, citei uns trechos bíblicos e contei uns exemplos, mas aquilo não adiantou muito, não. André já estava quase decidido a deixar a  Igreja que ele tanto amava... Mas deixou bem claro que ele não queria isso e que não quer se afastar de Deus de jeito nenhum. O papo foi longo e a conversa estava tão envolvente que André ligou pro chefe e disse que ia se atrasar... E nós ficamos ali, até o meio da tarde, trocando confidências e sentimentos comuns. E, não... Estava bem claro que a gente não estava interessado um no outro com nenhuma intenção além de se ajudar. Na verdade eu acabei também contando pra ele algumas das experiências por que já passei e ele também me ajudou.
Fiquei admirada de como André era simpático e perguntei se tinha acontecido algo especial que tivesse gerado toda aquela situação. Ele me contou que teve que se afastar por uns tempos da igreja pq tinha terminado o namoro com uma moça de lá... E tinha ficado aquele clima chato, apesar de hoje eles serem amigos. E que tudo coincidiu com uns tempos que ele ficou distante por causa do tratamento de saúde do seu pai. Ele contou que a igreja foi muito importante pra eles naquele momento, até ajudaram financeiramente e, principalmente, com orações.... Mas que quando a coisas voltaram ao normal, ele já não estava mais conseguindo se enturmar com os velhos amigos e com algumas pessoas novas que tinham chegado.
Aquele papo de excluído e sentimento de rejeição dele a princípio me pareceu tão bobo pra deixar um marmanjo daqueles cabisbaixo, mas eu fui lembrando de algumas vezes em que também me senti assim. E lembrei também de alguns personagens bíblicos que demonstraram sofrer dessas nossas mesmas dores... E vi que o André não tava sendo tão bobo assim.
No meio do papo, lembramos que nos Salmos, Davi disse, no meio de fortes provações: "Estou esquecido no coração deles, como um morto; sou como um vaso quebrado" (Salmo 31:12);  "Afastaste para longe de mim amigos e companheiros; os meus amigos mais íntimos agora são as trevas." (Salmo 88:18);  "Velo, e sou como o pardal solitário no telhado." (Salmo102:7) .
Davi se sentia só, esquecido dos seus amigos, bem como André estava se sentindo.
Com Jó tmbem não foi diferente. No meio das suas dores, seus amigos até tentavam ser solidários, mas metiam os pés pelas mãos tentando ser sábios aos seus próprios olhos e só o machucavam mais, acusando-o de estar sendo castigado pelos seus próprios pecados.
Jó sofreu imensas provações quando foi afligido. Perdeu muitos amigos e o Inimigo tentou agravar ainda mais as coisas fazendo-o pensar que tinha perdido tudo, quando na verdade não tinha. Numa de suas lamentações, ele disse o que sentia: "[O Senhor] pôs longe de mim a meus irmãos; os que me conhecem tornaram-se estranhos para mim". "Os meus parentes me abandonaram; os meus conhecidos se esqueceram de mim". "Os meus domésticos e as minhas servas me têm por estranho; vim a ser um estrangeiro aos seus olhos". "Chamo a meu criado, e ele não me responde; tenho de suplicar-lhe com a minha boca". "O meu hálito é intolerável à minha mulher; sou repugnante a meus próprios irmãos". "Todos os meus amigos íntimos me abominam; até os que eu amava se tornaram contra mim."
Caramba até sorrimos pra não chorar achando essas passagens bíblicas no livro de Jó... Como Jó sofreu!
E eu e o André  comentamos como essas percepções que Jó tinha a respeito das pessoas se repetem em nossas vidas...
E o coitado do André tava sentindo exatamente isso.
Posso até imaginar que as pessoas que estavam ali por perto de Jó ainda diziam pra ele:  "Pára de besteira", "Voce que tem que se aproximar normalmente", "por mim tá tudo ok!". Mas Jó sabia que não estava. Talvez dissessem que estavam sim ali pra ajudar ele... "Bastasse ele chamar". Ou que "na verdade nem conseguiram ajudar ou se aproximar porque eles também se magoaram antes com algo que ele disse ou fez..." ou "estavam muito ocupados".
André contou que foram essas algumas das coisas que ele ouviu quando tentou se abrir com os amigos da igreja.
Meu coração apertou foi quando lembrei da situação de Jesus, descrita em Lucas 23:49: "[Quando estava morrendo na cruz, Jesus viu os Seus amigos à distância.] Entretanto todos os Seus conhecidos, e as mulheres que O haviam seguido desde a Galiléia, estavam de longe contemplando estas coisas". E lembrando das próprias palavras de Jesus em
João 16:32: "Mas vem a hora, e já chegou, em que sereis dispersos cada um para sua casa. Vós Me deixareis só. Mas não estou só, pois o Pai está Comigo."

Eu já não sabia mais o que dizer pra André. Aquela situação dele, que antes me parecia tão boba, veio como um flexa em meu coração.
E eu só consegui dizer a ele: "André, ainda bem que Deus não é assim!"
Ainda bem que Deus não age como nós homens. Me perdoem,  "Andrés"... pq também já deixei alguém se sentir como você se sente. E que isso sirva cada vez mais pra que a gente entenda de uma vez por todas e se coloque no lugar de quem se sente assim.
E que a gente possa se  importar de verdade, como a Bíblia ensina em 2 Coríntios 1:4 " [Deus] nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.". Que a gente tenha empatia com os sentimentos de exclusão dos que parecem "bobos" aos nossos olhos:
"Vós conheceis o coração do estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito." (Êxodo 23:9b)
E que a gente realmente faça o que lemos em Romanos 12:15: "Alegrai-vos com os que se alegram, e chorai com os que choram."
A Biblia nos ensina a nos fazermos fracos para com os fracos, para ganhar os fracos a fazermos tudo para com todos, para todos e por todos os meios chegar a salvar alguns.
Que vergonha eu fiquei de nós que nos dizemos cristãos. Que dizemos seguir as escrituras e deixamos às vezes um irmão tão próximo sofrer sem ser consolado. 
Que Deus nos ajude a ver a necessidade de dar amor e atenção especiais a quem precisa. Que nos ajude a tomar as atitudes certas para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros, de maneira que, se um membro padeça, todos os membros padeçam com ele; se um membro é honrado, todos os membros se regozijem com ele.
Pois é... Foi aí que eu entendi o que em André me chamou tanta atenção. Foi a luz de Deus que ele refletia naquele momento de dor... E eu, que tentei animar aquele rapaz cabisbaixo, foi que saí renovada, com um aprendizado que veio dos  céus e que eu espero que frutifique em meu coração e eu possa ser realmente quem o Senhor quer que eu seja. Onde eu estiver, com quem eu estiver, por mais boba que a pessoa possa me parecer, mas que ninguém mais passe por mim e não seja, através de mim, alcançado pelo amor do Pai.